8.8.05

O Papel Mata-Moscas

O papel mata-moscas Tangle-foot tem, aproximadamente, trinta e seis centímetros de comprimento por vinte e um de largura; vem revestido de uma cola amarela, tóxica, e sua origem é canadense. Quando uma mosca pousa nele - não necessariamente por voracidade e sim por convenção, já que muitas outras ali se encontram -, grudam-se, em primeiro lugar, suas pequenas patas através dos apêndices externos que se dobram. Uma sensação de todo agradável e estranha, semelhante à de caminharmos no escuro e com os pés descalços pisarmos, subitamente, em algo que não é senão uma suave, quente e incompreensível resistência; algo para o qual pouco a pouco vai afluindo o pavoroso humano, reconhecido como uma mão, que sem se saber por que, ali se encontra e nos crava os cinco dedos, cada vez mais penetrantes.
Ali estão todas elas, retesadas, tal qual vítimas de dores lombares, sem intenção de deixar transparecer qualquer coisa, ou como velhos e alquebrados militares (com as pernas levemente arqueadas, como se estivessem no alto de um monte inclinado). Mantêm-se em posição de sentido, reunindo força e concentração. Depois de alguns segundos, tomam uma decisão e, zumbindo, procuram erguer-se tanto quanto possível. Executam essa ação furiosa por longo período, até que a exaustão as obrigue a parar. Seguem-se uma pausa para descanso e uma nova tentativa. Mas os intervalos vão-se tornando mais e mais espaçados. Ali estão elas, e percebo seu desnorteio. Erguem-se uns vapores túrbidos. Suas línguas, tal qual pequenos martelos, passam a tocar o exterior. Sua cabeça é marrom e peluda, lembrando um coco, como ídolos negros antropomórficos. Inclinam-se para frente e para trás sobre as pequenas patas firmemente presas; ajoelham-se e se levantam, como fazem os homens ao tentar de todas as maneiras mover uma carga pesada demais; mais trágicas que os operários, mais verdadeiras na expressão esportiva que o extremo esforço de Laocoonte. E eis que chega o momento sempre igual e estranho em que a necessidade do segundo que passa triunfa sobre todos os sentimentos poderosos e permanentes do ser. É o momento em que um alpinista, ao sentir os dedos doendo, abre voluntariamente as mãos; o momento em que alguém, perdido, deita-se na neve como uma criança; o momento em que um perseguido pára, com os flancos a lhe arder. Elas já não têm mais forças para manter-se ali em baixo, vão afundando pouco a pouco e, nesse momento, são inteiramente humanas. Vêem-se de súbito presas numa nova posição, pela parte superior de suas patas, ou pela parte de trás do tronco, ou ainda pela ponta de uma das asas.
Vencido o esgotamento anímico, e retomada, depois de um breve momento, a batalha pela vida, estão agora em condições desfavoráveis, e seus movimentos se tornam antinaturais. Ficam pois deitadas, com as patas traseiras apoiadas nos cotovelos, na tentativa de se levantar. Ou sentadas no chão, enroladas, com os braços estendidos, como mulheres que buscam em vão desvencilhar as mãos dos punhos de um homem. Ou deitadas de bruços, com a cabeça e os braços para frente, como se tivessem sofrido uma queda em meio a uma corrida, com a cara para o alto. Mas o inimigo continua passivo, fazendo progressos graças aos instantes desesperados e confusos delas. Um nada, um isto, as vai puxando para dentro. Tão lentamente que mal se pode acompanhar e, na maior parte das vezes, com uma rapidez brusca ao final, quando lhes sobrevém o último esmorecimento interior. Elas deixam-se cair subitamente, com a cara para a frente e as patas separadas; ou de flanco, com todas as patas esticadas; não raro também, de lado, impelido para trás as patas como remos. E assim continuam ali. Como aeroplanos derrubados, com uma das asas apontadas para o ar. Ou como cavalos arrebentados. Ou com gestos infinitos de desespero. Ou como pessoas adormecidas. No dia seguinte, uma delas ainda volta a despertar; põe-se a tatear por instantes com a pata ou a vibrar as asas. Às vezes, tal movimento se dá em todo o grupo, para só então afundarem todas um pouco mais em sua morte. E nos flancos, na região da qual lhes saem as patas, resta-lhes um órgão qualquer, vibrante e pequeno, que pulsa ainda por um certo tempo. Para cima e para baixo - impossível caracterizá-lo sem uma lente de aumento -, assemelha-se a um minúsculo olho humano que se abre e fecha sem cessar.

(Robert Musil)